Uma das temáticas que
mais tem despertado questionamentos e reflexões, por parte de estudantes de
Jornalismo e jornalistas já graduados, diz respeito ao esporte. Será que esse
ramo deve ser tratado com seriedade, como todos os outros segmentos do
Jornalismo, ou será que o esporte, nada mais é do que entretenimento, merecendo
tratamento diferenciado, ou seja, ser pura diversão?
Essa discussão, que já
era bastante observada, especialmente por causa de alguns programas esportivos
da televisão brasileira, veio ainda mais à tona, com as recentes declarações do
ex-apresentador e atual editor-chefe da edição paulista do programa “Globo
Esporte”, Tiago Leifert. Para ele, em entrevista concedida ao site do programa “The
Voice Brasil”, da mesma rede,
“embora o esporte seja atrelado ao Jornalismo, é 100% entretenimento” (LEIFERT,
2012).
Outra declaração de
Tiago Leifert, que causou grande impacto ocorreu em 2011, ao programa “Trip FM”,
veiculado pela Rádio Eldorado Brasil 3000. Ele afirmou: “Acho
que nosso grande erro na Globo sempre foi tratar o esporte como Jornalismo e
não como espetáculo. E isso acabou se enviesando para: ‘ser sério é igual a ter
credibilidade’” .
Essas declarações geraram
muita insatisfação de todos aqueles que defendem que o Jornalismo Esportivo é
um segmento como qualquer outro. Para quem acompanha o esporte em diferentes
emissoras da televisão brasileira, percebe a grande diferença entre elas,
especialmente se compararmos canais abertos com canais esportivos fechados.
Ultimamente, o que se tem visto nas
emissoras abertas, especialmente após a chegada de Tiago Leifert no “Globo
Esporte”, é pouca valorização ao bom Jornalismo, ou seja, falta informação de
qualidade e apuração, mas sobram, por outro lado, brincadeiras desnecessárias e
provocações, visando atingir grandes índices de audiência. E, de fato, tal
objetivo foi conseguido pela Rede Globo nos primeiros anos de mudança no foco
do seu departamento de Jornalismo Esportivo.
Contando os três
primeiros anos com Tiago, o Globo Esporte manteve uma razoável audiência, líder
no horário. Segundo números do Ibope, a média (por dia) registrada foi de 11,2
em 2009, 11,6 em 2010 e 11,2 em 2011.
Em 2012 caiu um
ponto na média (10,1) – o Ibope classifica cada ponto com 60 mil domicílios na
Grande São Paulo (DA PAZ, 2012).
Ocorre, porém, que os
números mais recentes de 2012 já não são tão favoráveis ao “Globo Esporte” e
aos defensores dessa maneira de fazer Jornalismo, como nos três anos
anteriores. A média atual de 10,1 é a pior da história do programa esportivo e,
sem dúvida, isso reflete que, por um momento, o entretenimento e a
espetacularização do esporte podem sim atrair a audiência, mas com o tempo, o
público começa a cansar de tal fórmula.
Os autores Kovac e
Rosenstiel (2003, p. 233), na obra intitulada “Os elementos do Jornalismo – o
que os jornalistas devem saber e o público exigir”, enumeram três razões que
demonstram como “atrair o público com ângulos engraçadinhos acaba falhando como
estratégia comercial, em longo prazo”.
Para eles, o fato de a
emissora alimentar seu público com coisas superficiais e entretenimento, faz
secar o apetite e as expectativas de outras pessoas por coisas diferentes. Além
disso, o intotainment (informação com
entretenimento) destrói a credibilidade das empresas jornalísticas, impedindo
de difundir notícias mais sérias. Por fim, a terceira razão enumerada pelos
autores diz que essa estratégia de informação com entretenimento não funciona
comercialmente, porque as emissoras passam a reforçar a concorrência e não seus
próprios recursos (KOVAC e ROSENSTIEL, 2003).
Inúmeras foram as
demonstrações recentes de como o Jornalismo Esportivo não tem sido tratado com
o respeito que merece, pela Rede Globo, em especial. Um dos casos mais
emblemáticos, ocorrido em fevereiro de 2012, se deu quando, em uma entrevista
coletiva do Palmeiras, o repórter Léo Bianchi entregou algumas fotos do cantor
Zé Ramalho ao atacante argentino Barcos.
A intenção do repórter
era fazer uma brincadeira com o jogador palmeirense, devido a sua semelhança
física com Zé Ramalho. Porém, o argentino não gostou da brincadeira (muito
provavelmente pelo fato de na Argentina o Jornalismo Esportivo ser tratado com
mais seriedade) e proferiu diversas palavras, condenando a atitude do Léo
Bianchi.
Já em maio de 2012, o
botafoguense German Herrera se recusou a pedir uma música ao “Fantástico”. O
programa dominical possui um quadro, em que, um jogador de futebol que marque
três gols em uma mesma partida, tem o direito de pedir uma música para ser executada
enquanto são exibidos os seus gols.
A recusa inesperada por
parte do atleta do Botafogo acabou se tornando mais importante para o “Fantástico”
do que a sua grande atuação na partida daquela tarde de domingo. O programa
aproveitou a negativa de Herrera e buscou uma música do grupo ‘Chiclete com
Banana’ para exaltar ainda mais o espírito de deboche praticado contra alguns
atletas e clubes.
Segundo o Artigo 5º,
inciso X, da Constituição Federal, “são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. No mesmo sentido, o Artigo
6º, inciso VIII, do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, diz que é
dever do jornalista: “respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra
e à imagem do cidadão”. Nos dois
episódios expostos acima (Hernan Barcos e German Herrera), fica claro que tais
dispositivos não foram respeitados.
Ora, com tantos
exemplos de como não se fazer Jornalismo Esportivo, percebe-se que a ética,
condição imprescindível para a prática do bom e verdadeiro Jornalismo, tem sido
esquecida por jornalistas e meios de comunicação, tornando-se assim, impossível
a transmissão de informações bem apuradas e com credibilidade.
Com isso, é impossível
que muitos telespectadores, que torcem e valorizam o Jornalismo (com “J” maiúsculo)
não passem a sentir desprezo por essa maneira de tentar entreter o público,
pois, independentemente do tipo de Jornalismo especializado, todos devem ser
pautados no interesse público e na qualidade e veracidade da informação.
Outro problema que
encontramos quando analisamos a cobertura esportiva recente na televisão, se
refere às exibições dos eventos, que para Coelho (2011) são transmitidas como
se fossem espetáculos, tentando passar para o telespectador a sensação de ser sempre
tudo perfeito, mesmo que essa não seja a realidade. O autor diz que, muitas
vezes não se fala das condições do gramado, do nível técnico do jogo, de nada.
Infelizmente essa
observação feita por Paulo Vinícius Coelho condiz com a atual realidade e é
muito percebida também em emissoras parceiras de fortes organizações esportivas
nacionais ou internacionais, como Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ou
Comitê Olímpico Brasileiro (COB), por exemplo.
Atualmente, com a
iminência de o Brasil ser sede de grandes eventos esportivos, como Copa das
Confederações, Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, isso fica ainda mais claro.
Sabemos que, ao contrário do que é veiculado por parte da mídia, tais eventos
trazem grandes problemas ao país, como desalojamento de famílias para a
construção e reforma de centros esportivos, gastos públicos intermináveis para
a construção de estádios privados, etc. São raríssimos os meios de comunicação
e jornalistas que debatem essas problemáticas, mas, para o bem do Jornalismo,
ainda existem.
Um exemplo que pode ser
citado e reverenciado em relação ao verdadeiro Jornalismo Esportivo são os
canais ESPN (por assinatura). Seja na transmissão de eventos ou em sua
programação normal diária, a emissora procura debater tudo o que está
relacionado ao esporte, ou seja, os profissionais que lá trabalham não ficam
presos exclusivamente aos comentários “do campo de jogo”.
É muito interessante
perceber essa maneira de fazer jornalismo e verificar que o Jornalismo Esportivo
não é apenas divulgar resultados, comentar lances de partidas ou mostrar novos
recordes mundiais. Jornalismo Esportivo é também expor ao seu público, os prós
e contras de tal competição ser realizada no nosso país. Jornalismo Esportivo é
debater os motivos de desempenhos fracos do Brasil em Olimpíadas. Jornalismo Esportivo
é verificar se o dinheiro público, que deveria ser destinado ao esporte
realmente está sendo empregado com essa finalidade.
Diante do exposto,
verificamos a importância de tratar o Jornalismo Esportivo como uma vertente
séria, comprometida e de credibilidade, como qualquer outra segmentação
jornalística. É necessário que o público esportivo também cobre dos meios de
comunicação esse comportamento de mais apuração e investigação e menos
brincadeiras e espetáculos.
Por Carlos Augusto Andrade Oliveira
Estudante de Jornalismo
REFERÊNCIAS
COELHO,
Paulo Vinicius. Jornalismo Esportivo.
São Paulo, SP: Contexto, 2011.
KOVACH,
Bill; ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do
jornalismo – o que os jornalistas devem saber e o público exigir. Brasil:
Geração Editorial, 2003.
PAZ, João Da. Como manchar o jornalismo esportivo.
[online] Disponível na internet via http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed717_como_manchar_o_jornalismo_esportivo
em 11 de novembro de 2012.
REVISTA
TRIP. Tiago Leifert. Disponível em:
<http://revistatrip.uol.com.br/trip-fm/tiago-leifert.html>. Acesso em 11 de novembro de
2012.
THE VOICE BRASIL. Passei a vida inteira tentando divertir as
pessoas. Disponível em: <http://globotv.globo.com/rede-globo/the-voice-brasil/v/passei-a-vida-inteira-tentando-divertir-as-pessoas-tiago-leifert-pronto-para-comandar-t/2140678/>.
Acesso em 11 de novembro de 2012.