terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O Esporte na TV: Jornalismo x Entretenimento



Uma das temáticas que mais tem despertado questionamentos e reflexões, por parte de estudantes de Jornalismo e jornalistas já graduados, diz respeito ao esporte. Será que esse ramo deve ser tratado com seriedade, como todos os outros segmentos do Jornalismo, ou será que o esporte, nada mais é do que entretenimento, merecendo tratamento diferenciado, ou seja, ser pura diversão?
Essa discussão, que já era bastante observada, especialmente por causa de alguns programas esportivos da televisão brasileira, veio ainda mais à tona, com as recentes declarações do ex-apresentador e atual editor-chefe da edição paulista do programa “Globo Esporte”, Tiago Leifert. Para ele, em entrevista concedida ao site do programa “The Voice Brasil”, da mesma rede, “embora o esporte seja atrelado ao Jornalismo, é 100% entretenimento” (LEIFERT, 2012).
Outra declaração de Tiago Leifert, que causou grande impacto ocorreu em 2011, ao programa “Trip FM”, veiculado pela Rádio Eldorado Brasil 3000. Ele afirmou: “Acho que nosso grande erro na Globo sempre foi tratar o esporte como Jornalismo e não como espetáculo. E isso acabou se enviesando para: ‘ser sério é igual a ter credibilidade’” .
Essas declarações geraram muita insatisfação de todos aqueles que defendem que o Jornalismo Esportivo é um segmento como qualquer outro. Para quem acompanha o esporte em diferentes emissoras da televisão brasileira, percebe a grande diferença entre elas, especialmente se compararmos canais abertos com canais esportivos fechados.
Ultimamente, o que se tem visto nas emissoras abertas, especialmente após a chegada de Tiago Leifert no “Globo Esporte”, é pouca valorização ao bom Jornalismo, ou seja, falta informação de qualidade e apuração, mas sobram, por outro lado, brincadeiras desnecessárias e provocações, visando atingir grandes índices de audiência. E, de fato, tal objetivo foi conseguido pela Rede Globo nos primeiros anos de mudança no foco do seu departamento de Jornalismo Esportivo.
Contando os três primeiros anos com Tiago, o Globo Esporte manteve uma razoável audiência, líder no horário. Segundo números do Ibope, a média (por dia) registrada foi de 11,2 em 2009, 11,6 em 2010 e 11,2 em 2011.
Em 2012 caiu um ponto na média (10,1) – o Ibope classifica cada ponto com 60 mil domicílios na Grande São Paulo (DA PAZ, 2012).
 Ocorre, porém, que os números mais recentes de 2012 já não são tão favoráveis ao “Globo Esporte” e aos defensores dessa maneira de fazer Jornalismo, como nos três anos anteriores. A média atual de 10,1 é a pior da história do programa esportivo e, sem dúvida, isso reflete que, por um momento, o entretenimento e a espetacularização do esporte podem sim atrair a audiência, mas com o tempo, o público começa a cansar de tal fórmula.
Os autores Kovac e Rosenstiel (2003, p. 233), na obra intitulada “Os elementos do Jornalismo – o que os jornalistas devem saber e o público exigir”, enumeram três razões que demonstram como “atrair o público com ângulos engraçadinhos acaba falhando como estratégia comercial, em longo prazo”.
Para eles, o fato de a emissora alimentar seu público com coisas superficiais e entretenimento, faz secar o apetite e as expectativas de outras pessoas por coisas diferentes. Além disso, o intotainment (informação com entretenimento) destrói a credibilidade das empresas jornalísticas, impedindo de difundir notícias mais sérias. Por fim, a terceira razão enumerada pelos autores diz que essa estratégia de informação com entretenimento não funciona comercialmente, porque as emissoras passam a reforçar a concorrência e não seus próprios recursos (KOVAC e ROSENSTIEL, 2003).
Inúmeras foram as demonstrações recentes de como o Jornalismo Esportivo não tem sido tratado com o respeito que merece, pela Rede Globo, em especial. Um dos casos mais emblemáticos, ocorrido em fevereiro de 2012, se deu quando, em uma entrevista coletiva do Palmeiras, o repórter Léo Bianchi entregou algumas fotos do cantor Zé Ramalho ao atacante argentino Barcos.
A intenção do repórter era fazer uma brincadeira com o jogador palmeirense, devido a sua semelhança física com Zé Ramalho. Porém, o argentino não gostou da brincadeira (muito provavelmente pelo fato de na Argentina o Jornalismo Esportivo ser tratado com mais seriedade) e proferiu diversas palavras, condenando a atitude do Léo Bianchi.
Já em maio de 2012, o botafoguense German Herrera se recusou a pedir uma música ao “Fantástico”. O programa dominical possui um quadro, em que, um jogador de futebol que marque três gols em uma mesma partida, tem o direito de pedir uma música para ser executada enquanto são exibidos os seus gols.
A recusa inesperada por parte do atleta do Botafogo acabou se tornando mais importante para o “Fantástico” do que a sua grande atuação na partida daquela tarde de domingo. O programa aproveitou a negativa de Herrera e buscou uma música do grupo ‘Chiclete com Banana’ para exaltar ainda mais o espírito de deboche praticado contra alguns atletas e clubes.
Segundo o Artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. No mesmo sentido, o Artigo 6º, inciso VIII, do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, diz que é dever do jornalista: “respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão”.  Nos dois episódios expostos acima (Hernan Barcos e German Herrera), fica claro que tais dispositivos não foram respeitados.
Ora, com tantos exemplos de como não se fazer Jornalismo Esportivo, percebe-se que a ética, condição imprescindível para a prática do bom e verdadeiro Jornalismo, tem sido esquecida por jornalistas e meios de comunicação, tornando-se assim, impossível a transmissão de informações bem apuradas e com credibilidade.
Com isso, é impossível que muitos telespectadores, que torcem e valorizam o Jornalismo (com “J” maiúsculo) não passem a sentir desprezo por essa maneira de tentar entreter o público, pois, independentemente do tipo de Jornalismo especializado, todos devem ser pautados no interesse público e na qualidade e veracidade da informação.
Outro problema que encontramos quando analisamos a cobertura esportiva recente na televisão, se refere às exibições dos eventos, que para Coelho (2011) são transmitidas como se fossem espetáculos, tentando passar para o telespectador a sensação de ser sempre tudo perfeito, mesmo que essa não seja a realidade. O autor diz que, muitas vezes não se fala das condições do gramado, do nível técnico do jogo, de nada.
Infelizmente essa observação feita por Paulo Vinícius Coelho condiz com a atual realidade e é muito percebida também em emissoras parceiras de fortes organizações esportivas nacionais ou internacionais, como Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ou Comitê Olímpico Brasileiro (COB), por exemplo.
Atualmente, com a iminência de o Brasil ser sede de grandes eventos esportivos, como Copa das Confederações, Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, isso fica ainda mais claro. Sabemos que, ao contrário do que é veiculado por parte da mídia, tais eventos trazem grandes problemas ao país, como desalojamento de famílias para a construção e reforma de centros esportivos, gastos públicos intermináveis para a construção de estádios privados, etc. São raríssimos os meios de comunicação e jornalistas que debatem essas problemáticas, mas, para o bem do Jornalismo, ainda existem.
Um exemplo que pode ser citado e reverenciado em relação ao verdadeiro Jornalismo Esportivo são os canais ESPN (por assinatura). Seja na transmissão de eventos ou em sua programação normal diária, a emissora procura debater tudo o que está relacionado ao esporte, ou seja, os profissionais que lá trabalham não ficam presos exclusivamente aos comentários “do campo de jogo”.
É muito interessante perceber essa maneira de fazer jornalismo e verificar que o Jornalismo Esportivo não é apenas divulgar resultados, comentar lances de partidas ou mostrar novos recordes mundiais. Jornalismo Esportivo é também expor ao seu público, os prós e contras de tal competição ser realizada no nosso país. Jornalismo Esportivo é debater os motivos de desempenhos fracos do Brasil em Olimpíadas. Jornalismo Esportivo é verificar se o dinheiro público, que deveria ser destinado ao esporte realmente está sendo empregado com essa finalidade.
Diante do exposto, verificamos a importância de tratar o Jornalismo Esportivo como uma vertente séria, comprometida e de credibilidade, como qualquer outra segmentação jornalística. É necessário que o público esportivo também cobre dos meios de comunicação esse comportamento de mais apuração e investigação e menos brincadeiras e espetáculos.


Por Carlos Augusto Andrade Oliveira
Estudante de Jornalismo
  
REFERÊNCIAS
COELHO, Paulo Vinicius. Jornalismo Esportivo. São Paulo, SP: Contexto, 2011.
KOVACH, Bill; ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do jornalismo – o que os jornalistas devem saber e o público exigir. Brasil: Geração Editorial, 2003.
PAZ, João Da. Como manchar o jornalismo esportivo. [online] Disponível na internet via http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed717_como_manchar_o_jornalismo_esportivo em 11 de novembro de 2012.
REVISTA TRIP. Tiago Leifert. Disponível em: <http://revistatrip.uol.com.br/trip-fm/tiago-leifert.html>. Acesso em 11 de novembro de 2012.
THE VOICE BRASIL. Passei a vida inteira tentando divertir as pessoas. Disponível em: <http://globotv.globo.com/rede-globo/the-voice-brasil/v/passei-a-vida-inteira-tentando-divertir-as-pessoas-tiago-leifert-pronto-para-comandar-t/2140678/>. Acesso em 11 de novembro de 2012.